Sexta-feira Santa

Data:
18/04/2025

Esperança crucificada

“A esperança nasce do amor e funda-se no amor que brota do coração de Jesus trespassado na Cruz” (Papa Francisco, Bula n. 3).

O mistério Pascal constitui o núcleo central da fé cristã, ou seja, a paixão-morte e ressurreição de Jesus de Nazaré e a efusão do Espírito sobre toda a Criação.

Este mistério pascal se estende também a todo o povo crucificado, ou seja, a esta grande maioria da humanidade que vive explorada e marginalizada, vítima dos interesses de uma minoria. Por isso, crer no Crucificado implica fazer descer da Cruz todos os que estão dependurados nela.

Mas a imagem da crucifixão se aplica também à situação de nossa Terra, explorada, desertificada, contami-nada, com a biodiversidade destruída e os oceanos transformados em cemitérios.

Por sua atitude de arrogância e de autossuficiência, o ser humano explorou exaustivamente a Terra herdada e a destruiu, depredou, aniquilou, tomou posse dela… Assim, não foi respeitoso para com o Criador que a ele reservou a missão de cuidar do seu jardim e de compartilhar os seus frutos.

Há um clamor generalizado que emerge da realidade desafiante enfrentada pela humanidade: o planeta Terra está gravemente enfermo. As consequências trágicas estão presentes por toda parte. O desequilíbrio dos ecossistemas pode comprometer, de forma irreversível, todas as formas de vida sobre a terra. Estamos diante da “Terra crucificada”.

A vida cristã significa encontro e seguimento de Jesus de Nazaré, libertador e fundamento de nossa esperança. Na realidade, a esperança cristã nasce a partir da morte de um homem simples e pobre, assassinado numa cruz, desprotegido, abandonado, condenado injustamente como um homem perigoso, porque se rebelou contra as estruturas religiosas e contra os poderosos daquele tempo.

Jesus, o Justo e Santo, foi Aquele que não ficou indiferente diante da fome, da doença, da violência e da morte…  Seu modo de ser, suas opções, sua liberdade diante da lei, da religião, do templo, seus encontros escandalosos com os pobres e excluídos…, desestabilizou tudo, pôs em crise as instituições e as pessoas encarregadas da religião. Jesus foi condenado como herege e subversivo, por elevar a voz contra os abusos do templo e do palácio, por colocar-se do lado dos perdedores, por ser amigo dos últimos, de todos os caídos. Tornou-se um perigo a ser eliminado.

“Jesus morreu de vida”: de bondade e de esperança lúcida, de solidariedade alegre, de compaixão ousada, de liberdade arriscada, de proximidade curadora…

Nesse sentido, a cruz de Jesus não é um “peso morto”; ela tem sentido porque é consequência de uma opção radical em favor do Reino. A Cruz não significa passividade e resignação; ela nasce de sua vida plena e transbordante; ela resume, concentra, radicaliza, condensa o significado de uma vida vivida por Jesus na fidelidade ao Pai que quer que todos vivam intensamente.

A vida humana é fecunda, é potencialidade, é explosão de criatividade… Assim como na semente há vida latente esperando a oportunidade de expandir-se, também no ser humano encontram-se ricas possibilidades, esperando a morte do “eu mesquinho”, para se plenificarem.

Alguém já teve a ousadia de afirmar que a morte é mais universal que a vida; todos morrem, mas nem todos sabem viver, porque incapazes de reinventar a vida no seu cotidiano e alimentar uma ousada esperança. Por isso, viver é uma arte; é necessário reinventar a vida no dia a dia, carregá-la de sentido.

A maior perda da vida é aquilo que “resseca” dentro de cada um, enquanto vive: sonhos, criatividade, intuição, esperança. “A tragédia não é quando um ser humano morre; a tragédia é aquilo que morre dentro da pessoa enquanto ela ainda está viva” (Albert Schweiter).

Uma vida pensada sem “mortes” perde-se, no final, na total irresponsabilidade. E viver significa esvaziar-se do ego para deixar transparecer o que há de divino em seu interior. O grão de trigo que não morre, apodrece, e não multiplica as mil possibilidades latentes em seu interior.

O “depois da vida” é um grande encontro onde seremos perguntados: “o quanto você viveu sua vida?”

Quando fazemos o percurso em direção ao Gólgota, em comunhão com Aquele que foi fiel até o fim, não estamos fazendo um ato derrotista, nem de tristeza inútil, nem de mergulho na escuridão existencial. Estamos fazendo uma profissão de fé na força da esperança.

Esperança é uma virtude vencedora. Quando tudo parece perdido, irremediável, destruído, ela comparece para salvar. Ela é capaz de transformar a derrota em vitória, o perigo em alívio, o desespero em alegria. A esperança é tão poderosa que consegue tirar do domínio da morte os que não veem mais razões para viver.

A esperança transforma as cinzas em fênix, a cruz em sinal de vida, as lágrimas em vitória. A esperança é a última que morre, diz o jargão popular. Ela é desprezada pelos pessimistas, ameaçada pelos gananciosos, agredida pelos incrédulos. Da esperança tudo renasce, ainda que pareça impossível recomeçar.

O pecado costuma bloquear a esperança, causar o desânimo e desiludir quem ia bem e de repente cai. A esperança é uma senhora que vem dar a mão àquele que se desiludiu consigo mesmo ou com a situação em que foi precipitar-se.

Embora tudo pareça arruinado, há uma potência interior que não permite ao ser humano desistir de si mesmo nem dos outros. Ela recobra a energia do perdão, o ânimo para não desistir, a confiança nas pessoas, a amizade que ficou ameaçada, a fidelidade a uma causa nobre.

A esperança é filha da e ambas se juntam para que aconteça a caridade.

Ao entrar no caminho do Calvário, mergulhamos no mar da esperança e dele saímos transformados, renovados em nosso ânimo e certos de que a morte não tem a última palavra, pois a Cruz já aponta para a Ressurreição, e aquilo que parecia não ter mais remédio encontrou vida nova.

Podem nos roubar a paz, a honra, a dignidade, a saúde, a alegria, a confiança, mas não podem nos roubar a esperança, se cremos na força criativa de nós mesmos, na capacidade de reerguer do chão, mesmo se a queda se repetiu três vezes no caminho do Gólgota.

O Jesus que seguimos até o Calvário nos levará à Páscoa. A esperança não nos será roubada, a alegria voltará a acontecer, pois não estamos sozinhos. Ele vive entre nós!

“Esperamos contra toda a esperança”, como Abraão, Maria e o próprio Jesus.

Textos bíblicos: Mc 14 e 15

Na oração: A dor, como consequência de uma opção de vida, é o subsolo do qual brota a esperança. O sofrimento não se anula nem se nega, mas está sempre transpassado pela esperança.

A esperança que brota do sofrimento possibilita um “perene nascer do coração”.

Na Paixão, tornamo-nos solidários com a dor de um Homem que espera, apesar de tudo, e que se abre à dor de todos, encontrando na solidariedade e na dor dos outros, razões para relativizar sua própria dor.

Jesus foi realmente o homem solidário com a dor da humanidade para contagiar a todos com sua esperança de vida plena e definitiva. Jesus assume a dor de todos e des-vela o ser humano à luz da esperança.

Esperança de vida: a Cruz – que se completa com a mensagem da ressurreição, com a qual forma um único acontecimento – proclama que a Vida não morre; que, inclusive naquelas circunstâncias nas quais parece que tudo é fracasso, a Vida abre caminho; nenhuma morte é o final.

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