“Soprou sobre eles e disse: ‘Recebei o Espírito Santo’” (Jo 20,22)
A Bíblia é um livro repleto de Ventos e de Caminhos. Assim são as narrativas de Pentecostes, repletas de caminhos que partem de Jerusalém e plenos de Vento, leve como uma brisa e impetuoso como um furacão.
Por seu sentido etimológico, “espírito” (“Ruah”, feminino na bíblia hebraica), se refere ao vento, ao ar que impulsiona, ao alento ou a respiração que mantém a vitalidade dinâmica do ser humano. A “Santa Ruah” é um modo de descrever a presença divina que perpassa tudo, energiza toda a Criação, desperta o melhor em cada ser humano; como impulso, dinamismo, força, não pode ser contido nem retido, pois, assim como o vento, não sabemos de onde vem e nem para onde vai.
Desta maneira, a Sagrada Escritura ensina sobre a força, energia e ação vital do Espírito de Deus que é, por essa razão, “santo” e que se derrama sobre a humanidade para que se realize o plano de Deus na história.
O testemunho da revelação bíblica nos fala, portanto, da ação do Espírito num tríplice contexto: o Espírito é “atmosfera de Deus”, onde Deus pode ser encontrado e conhecido; “herança de Jesus”, memória de suas palavras e sinal de sua ação; e “ambiente de realização do ser humano”, porque n’Ele a vida adquire profundidade, consistência, criatividade…
Já no início do Genesis (1,1), o Deus bíblico se revela “saindo de si”, por pura gratuidade, porque “a Ruah de Deus pairava sobre a superfície das águas”. Derramado sobre a Criação toda, o Espírito Santo permeia tudo que faz parte da realidade, dos eventos históricos e da vida de todos. É o oxigênio do coração.
É o Sopro poderoso de Deus que re-spira (a-spira, in-spira, con-spira) na vida da humanidade e da Criação.
Sem o “sopro” direto de Deus, só pode existir o caos; se desaparece a Ruah, o universo morre, perde seu impulso de vida, se destrói. Só o alento de Deus oferece vida e ordem em meio ao “caos” presente na realidade. A obra do Espírito não é um ato do passado, própria do Deus antigo que por sua palavra e vontade quis fixar o mundo, mas é uma presença permanente, atravessando toda a realidade e constituindo o “cosmos” (beleza, harmonia, sinfonia).
O mundo fechado em si mesmo carece de ser, perde sua identidade. Existe, mas é distinto de Deus; só pode manter-se e ser em relação com Deus, porque Sua “Ruah” está presente e faz com que o mundo seja habitá-vel e ofereça caminho de vida para o ser humano. Isso significa que, em sentido bíblico, as criaturas do mundo, por si mesmas, carecem de identidade e consistência; elas são, se desenvolvem e existem por força e impulso do Alento de Deus que as sustenta; elas são o que são só por “graça”, por presença pessoal divina.
Tudo se mantém vivo por meio d’Ele. É esse Espírito integrador que harmoniza todo o universo e todo o nosso ser, dando um novo sentido ao nosso existir no mundo, na comunidade cristã.
A festa de Pentecostes vem nos revelar que “Ruah” é fundamental e essencialmente energia pessoal, comunitária e cósmica. É energia de vida (força vital), energia de mudança (força de transformação) e luz para o discernimento.
Como energia vital, o Espírito é o princípio de criação; Espírito é invenção, é fonte de criatividade, de autêntica novidade.
Em relação ao velho mundo, a “Ruah” é força que emerge como “renovadora” de todas as coisas.
Por isso o Espírito é origem de surpresa e maravilhamento. Ele realmente opera maravilhas na história humana. É fonte de novas possibilidades dentro do mundo, energia inaugural de novas auroras.
E essa ação do Espírito se manifestou de modo universal e gratuita, suscitou, ao longo da história, pessoas ousadas, palavras desafiantes, caminhos ainda não percorridos, imagens novas. O Espírito insuflou vida em todas as etapas do universo, na evolução dinâmica para o novo.
Como energia de mudança, o Espírito é o grande transformador e revolucionário. Ele faz os ossos secos voltarem à vida (Ez. 37). Ele faz o deserto florescer no direito, na justiça e na paz (Is. 32,15-20). Ele é Aquele que quebra todas as amarras e desbloqueia todos os impasses.
Como luz para o discernimento: dos sete dons prometidos ao Rei messiânico, mais da metade se referem à inteligência (sabedoria, ciência, entendimento e conselho). Pois o Espírito revela o conhecimento profundo do Mistério de Deus e de seu Plano no mundo (1Cor. 2,10-16). Ele dá aquela intuição profunda que permite descobrir os caminhos corretos dentro das ambiguidades da história.
Precisamos do Espírito; d’Ele precisa o nosso pequeno e estagnado mundo; d’Ele precisa a Igreja para que seja guardiã de liberdade e de esperança. O Espírito com os seus dons dá a cada cristão uma genialidade que lhe é própria. E temos extrema necessidade de discípulos(as) de gênio. Ou seja, precisamos que cada um acredite no seu próprio dom, nos próprios recursos, e que coloque a sua própria criatividade e coragem a serviço da vida. A Igreja, como Pentecostes contínuo, é coragem ousada, é inventividade, é poesia criativa, é saída solidária…
Pentecostes se revela também como momento privilegiado para ativar uma diferente perspectiva de visão e de sensibilidade. Há muita carência desse dom da sensibilidade nesse contexto marcado por profundas divisões, ódios, intolerâncias, mentiras… Somente aqueles “que vivem no Espírito” serão capazes de perceber Sua ação original e inspiradora, presente em tantos carismas que tornam a humanidade tão bela, tão interessante, tão divertida, tão inesperada.
Agora é o momento de acabar com todos os medos e inseguranças para viver centrados na confiança. A Igreja inteira é chamada a abrir todas as suas portas e janelas para que o Espírito que recebeu se faça extensivo para todo o mundo e toda a Criação. Tocados pelas “línguas de fogo” do Espírito, os cristãos discernem o que o Pai quer deste mundo e se fazem presentes nele como fermento, como sal, como grão de mostarda, como grão de trigo, para serem Igreja em missão, em saída, compassiva, generosa, portadora de perdão e cura, de força para os fracos e denúncia para os injustos.
Nós, movidos pelo Espírito que atuava em Jesus, fazendo-nos seus seguidores(as), precisamos estar vigilantes se não quisermos cair na tentação da indiferença. Costumeiramente, tendemos ao conformismo. A cultura da indiferença é fortalecida toda vez que deixamos de acreditar que a realidade pode e deve ser diferente. Não podemos nos dar por vencidos acreditando que estamos no fim, que nossas forças já se esgotaram, que não há mais esperança e sentido para lutar.
“Não apagueis o Espírito”, nos diz S. Paulo (1Tes 5,19), ou seja, não extingais a Divina Energia que faz crer, criar e ressuscitar. Cada vez que, ao longo da história, apagamos o fogo do Espírito, é preciso reavivar o braseiro da espiritualidade para além das religiões. Jesus traz o fogo que não destrói, mas que renova: força vi-vificadora e, ao mesmo tempo, “des-mascarado-ra” e “dis-cernidora” dos poderes de morte que tentam nos sufocar.
Texto bíblico: Jo 20,19-23
Na oração: Depois de ter criado cada ser humano, Deus quebra o molde e lança-o fora. O Espírito nos faz únicos(as) na nossa maneira de amar, na nossa maneira de alimentar esperança; únicos(as) na maneira de consolar e viver os encontros; únicos(as) na maneira de desfrutar a doçura das coisas e a beleza das pessoas…
Esta é precisamente a obra do Espírito: guiar-nos para a “nobre verdade”, escondida no mais profundo de nós mesmos. Ninguém sabe cuidar como cada um(a) sabe; ninguém tem essa alegria de viver como cada um(a) tem; ninguém tem o dom de compreender os fatos como cada um(a) os compreende…
– Certamente, todos temos “Ruah”, alento e vida próprios. Mas nosso alento é vacilante, nossa vida é curta, nossa essência é deficiente, ameaçada pelas limitações e pela morte. Por isso, só somos “Ruah” de verdade, só existimos de maneira profunda, esperançada e criativa quando nos deixamos possuir e transformar pelo Espírito divino.
– Com que intensidade poderemos “dançar e voar”, conduzidos(as) pelo sopro da Ruah?