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Tempos litúrgicos


Inácio de Loyola: um santo dos “tempos novos”

Em todo momento histórico, quando a Igreja e a sociedade são sacudidas por grandes mudanças, surgem homens e mulheres que rompem com esquemas e seguranças envelhecidos e se deixam conduzir pelo Espírito ao deserto, às margens, às fronteiras... rompendo um ambiente e uma ordem asfixiantes.

A fronteira, para eles, passa a ser terra privilegiada onde nasce o “novo” por obra do Espírito.

Eles(elas) descobrem na realidade do mundo e da história os “sinais dos tempos” e entram em comunhão com tudo, porque tudo é “diafania” (transparência) de Deus. Enraízam sua convicção nesta visão, nesta mística da presença de Deus em sua obra, na contemplação de um mundo chamado a se transformar em justo e belo, verdadeiro e pacífico, unido e reconciliado, entranhado em Deus, como no primeiro dia da Criação.

Foi num contexto assim que o “peregrino” Inácio de Loyola, “sozinho e a pé” pelos caminhos da Europa, situou-se nas fronteiras da humanidade em busca da comunhão universal; aqui se situa o seu processo original da vivência da santidade.

Depois de cinco séculos, S. Inácio continua sendo uma figura única e paradigmática. O que é marcante nele está no fato de ter sido capaz de situar-se, de maneira original, no contexto das mudanças de seu mundo e de seu tempo. Ele é considerado o santo dos “tempos novos” que despontavam perante seus olhos deslumbrados. Novos valores emergiam, novos modos de pensar e sentir, de viver.

S. Inácio é o homem da mudança, da transição no tempo, dos tempos novos, agitados, turbulentos, de transbordantes novidades que colocavam em questão tudo o que até então era recebido. Ele não se fechou e nem resistiu a elas, mas abriu-se ao diferente e surpreendente.

O itinerário da sua vida foi um processo constante de “leitura orante da realidade”. Por isso, S. Inácio foi um homem de síntese: num mundo em mudança e até contraditório, ele assumiu com abertura total, sem preconceitos, sem nostalgias estéreis, a mudança de tempo que lhe coube viver. Isso lhe abriu horizontes culturais novos, nos quais vai deixar sua marca original.

Até à época de S. Inácio, todo aquele que se sentisse chamado à santidade deveria naturalmente afastar-se do mundo e de seus “perigos” e buscar refúgio no deserto, nas montanhas ou nos mosteiros.

S. Inácio não se afastou do mundo para encontrar a Deus; ele fez a “experiência” do Deus agindo no mundo; aí O encontra e caminha com Ele. O mundo não é só o “habitat” da sua missão: é sobretudo a fonte da sua espiritualidade, o lugar certo para encontrar a Deus e escutar o Seu chamado.

Da experiência de “amar a Deus em todas as coisas e todas as coisas em Deus”, nasce uma espiritualidade radicalmente “mundana”, de contemplação do mundo e de ação no mundo.

A partir de então as velhas fronteiras geográficas e políticas pelas quais Inácio lutou apaixonadamente, serão substituídas por outras, aquelas do coração humano.

A santidade, para ele, passa a significar experiência de fronteira: rendição de uma fortaleza, troca de bandeira e de senhor no próprio coração, esvaziamento de si mesmo como “ego inflado” e oferecimento de sua pessoa ao verdadeiro “Senhor” que o chama a segui-lo, ou seja, situar-se com Ele nos “extremos” humanos. Falamos da admirável aventura espiritual de um homem que, dia após dia, aprende, tenaz e apaixonadamente, a viver para Deus no cenário do tempo que lhe coube viver, sacudindo e abalando as consciências daqueles que o rodeavam.

Mas, ao longo de todas as mudanças, de lugar e de horizontes, bem como as profundas transformações ocorridas no interior do próprio Iñigo, notamos que nele permanece idêntica a abertura ao surpreendente e idêntico o discernimento como instrumento para deixar-se interpelar pelos novos mundos e pelos novos desafios que se abriam diante dele. De maneira original e inspiradora, Iñigo assume com intensidade e abertura total a mudança de tempo e de cultura que lhe coube viver.

Isso lhe abriu horizontes culturais novos, nos quais ele vai se fazer presente criativamente.

E a “Narrativa do Peregrino” (autobiografia) nada mais é do que o relato da admirável aventura espiritual e cultural de um homem sincero e obstinado, livre e aberto, sempre empenhado em discernir, nos “sinais dos tempos”, aquilo que vêm de Deus (para acolhê-lo), e aquilo que vem do mal (para rejeitá-lo).

O itinerário de Inácio não é unicamente geográfico. Mais que um simples deslocar-se, trata-se de um modo de viver e de situar-se no mundo. Depois de ter posto literalmente seus pés sobre as “pegadas” de seu Senhor e beijar o solo que Ele havia pisado, Iñigo de Loyola compreende que a terra de Cristo era o vasto mundo de seu tempo. Desde então, para além do deserto e da peregrinação a Jerusalém, abre-se diante de seus olhos, outro caminho. Decididamente, ele se volta para o mundo, esse borbulhar de acontecimentos sócio-político-religiosos, no qual reconhece o lugar da Encarnação.

Buscando considerar todas as coisas em sua referência a Deus, Inácio quer serví-Lo em toda circunstância. Dado que seu Criador e Senhor está presente e ativo em todo e qualquer lugar, ele se dirige ao mundo sem temor a nada, seguro de que cada um de seus passos o conduz ao lugar da adoração e do serviço.

Inácio contempla o mundo com Deus; longe de representar um espaço de tentações e de dispersão, o mundo é para ele o lugar do serviço. O olhar que pousa sobre a realidade reacende nele a saudade de Deus e o sentimento de sua presença.

A partir de então, o mundo o aproxima de Deus e a saudade de Deus não o afasta do mundo.

O olhar de S. Inácio para seu tempo e seu mundo pode nos ajudar a nos situar melhor e mais lucidamente no nosso. Também nós estamos vivendo profundas mudanças sociais, religiosas, culturais… que provavelmente não são de menor porte que as do Renascimento.

Ouve-se dizer hoje, com frequência, que estamos assistindo o fim de uma época e o princípio de outra; emergem novas formas de cultura, entendida como novos modos de relacionamento do ser humano com os outros e com o mundo. Os modos de pensar e de sentir em que vivíamos e estávamos instalados parecem decompor-se aos nossos olhos, ao passo que emergem por todos os lados, dispersos, sem que se veja claramente o perfil, mundos novos, novas visões, novas maneiras de se situar na realidade, novas culturas que nos interrogam, solicitam e inquietam.

Estes nossos tempos, novos e turbulentos, pedem de todos nós, críticos, inquietos e vigilantes, uma constante releitura dos novos “sinais” que surgem, a necessidade de viver em estado de atenção permanente, capacidade de reanalisar tudo o que vemos, e decidir a seu respeito no discernimento.

Se alguém se mantém constantemente de olhos abertos diante do que está vivendo, como fez S. Inácio, encanta-se em meio às grandes descobertas da ciência que ampliam o conhecimento do ser humano, às novas formas de socialização que estão transformando o nosso mundo, às novas formas e funções do saber, aos novos desafios que se apresentam diante de seus olhos, às novas esperanças de uma humanidade que é diferente, às novas formas de expressar a experiência religiosa... Este, certamente, estará assumindo uma atitude ativa e acolherá tudo o que humaniza e rejeitará tudo o que desumaniza.

Pondo-nos na escola de Inácio, é aqui, neste mundo, que Deus nos chama a estender o seu Reino, trabalhando cada dia como amigos(as) de Jesus que passam, observam, curam, se compadecem, ajudam, transformam, multiplicam os esforços humanos.

O(a) santo(a) dos tempos modernos é aquele(a) que na liberdade, afirma: “Fora do mundo não há salvação”.

Textos bíblicos: Mc 4,35-41 | Ex 33,7-17 | Ex 3,1-10 | Jo 6,1-15

Na oração: Para viver em atitude de “travessia” é preciso estar em eterna vigilância; e, ao mesmo tempo, abrir-nos a um constante assombro e gratidão, porque cada manhã é um milagre.

- A nossa vida é um êxodo, um sair constante de uma realidade para entrar em uma outra realidade nova. O peregrinar é o elemento determinante e com maior valor simbólico para toda a vida.

- Existem ainda céus por explorar, aventuras por empreender, pensamentos por experimentar e experiências por aceitar; falta-nos ainda muito por saber, por ver, por sentir, por desfrutar...

- No “mapa espiritual” do meu interior, ainda existe uma “terra desconhecida”, que desperta interesse, suscita curiosidade, me põe a caminho...?

- Vivo uma atitude de busca permanente (discernimento)? Minha presença no mundo faz diferença?...